O aforismo no Templo de Apolo em Delfos – “Conhece-te a ti mesmo” – é uma máxima que, na contemporaneidade, é dimensionada através da confrontação. O processo de autoconhecimento sempre foi muito difícil. Hoje, no entanto, o ser humano se encontra e se depara consigo mesmo através de reflexos. Reflexos de espelhos que, inevitavelmente, revelam nossas angústias.
E eis que, quando elegemos o outro como espelho, e fixamos esta ideia, ficamos reféns da inveja. Invejar não é cobiçar. Cobiçar é querer alguma coisa do outro, e o desejo impulsiona a busca. Pode ser negativo ou positivo. Já a inveja é sempre negativa, porque se baseia na tristeza que sentimos pela felicidade alheia. É sentir-se aflito pela prosperidade de outrem, tristeza por saber que o outro tem.
A origem latina da palavra inveja é “invidere”, que significa não ver; do latim “invido”, olhar mal. Talvez a etimologia já forneça uma boa compreensão da inveja e dos sentimentos nela envolvidos. É como não conseguir enxergar as próprias qualidades, mas notar apenas as virtudes e conquistas daquele que não tolero. Não ver é, também, incapacidade de reconhecer o próprio fracasso diante do sucesso do invejado.
O Purgatório, de Dante Alighieri, é o lugar para onde vão os invejosos, e são castigados pelo seu pecado tendo as pálpebras costuradas nos olhos por fios de metal. Nada vendo, não podem mais invejar.
A inveja começa no olhar e na comparação de si com o outro, sobretudo se este alguém for muito próximo – o colega de trabalho em ascensão, o irmão que considero ser mais favorecido do que eu na família, o cunhado que é mais intelectualizado, o primo refinado que viaja para o exterior todo ano.
Não invejo quem está longe, porque é a pessoa próxima que reflete meu dissabor, meu insucesso. Estamos no mesmo lugar, mas enquanto ela consegue caminhar e progredir, eu permaneço inerte e apático.
A psicanalista austríaca Melanie Klein dizia que a inveja se iniciaria no momento da amamentação, o que ela chama de “inveja do seio”. O estado de dependência com a mãe resultaria na inveja.
A reação do bebê é destruir esta percepção, logo, a dor de sentir inveja é um dos sentimentos mais primitivos do ser humano. Se perceber invejoso é concomitante à apropriação do outro. A inveja é reconhecer limitações, bem como uma maneira de enaltecer aquele que possui mais sucesso do que eu.
O ciúme é derivado, em certa medida, da inveja. É o incômodo torturante, a insatisfação exposta pelo espelho. Com o passar do tempo – e condicionados à imagem idealizada – passamos a viver à mercê deste ciúme: uma disputa por atenção e afeto.
A sensação de abandono é crucial, tanto quanto o sentimento de incompletude. Uma vez que o sucesso do outro é ameaçador, a rivalidade e a disputa são consequências. A inveja é do sucesso e não do infortúnio do outro. A desgraça comove e sensibiliza as pessoas, mas o sucesso distancia.
Na língua alemã existe a expressão “schadenfreude”, que designa aquela sensação de prazer no infortúnio do outro. O insucesso da pessoa invejada causa satisfação e êxtase. Assim foi com Michelangelo, quando convidado, por insistência do pintor Donato Bramante, para pintar os afrescos da abóbada da Capela Sistina.
Bramante convenceu o Papa Julio II a contratar Michelangelo, acreditando que ele não seria capaz de finalizar a grandiosa obra de arte e, assim, desistiria, manchando seu nome, o que não aconteceu.
O filme “Amadeus” retrata a relação de inveja do compositor italiano Antonio Salieri em relação ao austríaco Wolfgang Amadeus Mozart e sua ascensão precoce.
Fato é que a inveja é uma boa desculpa para o insucesso: “Eu não consegui porque muitos me invejam”; “Não passei por causa da inveja”; “Só pode ser inveja”.
A inveja é a desculpa conveniente e, ao mesmo tempo, a nossa inexorável incapacidade de admitir a diferença. Afinal, comparar-se ao outro é, no fundo, a tentativa de se igualar.
O historiador Leandro Karnal afirma que, embora agrupados em similitudes, ainda assim, somos diferentes, logo, condenados viver tais diferenças. Ainda bem.
O invejoso se sente sempre ameaçado. Sua virtude é a mediocridade. A castração das emoções, da iniciativa, do desejo, do espírito e do conhecimento. Prefere o infortúnio alheio ao sucesso porque o primeiro conforta e, o segundo, incomoda.
Invejar é confrontar-se com a morte, com a finitude, porque a cada vez que perguntamos se somos felizes, respondemos pensando no que o outro tem. Saber do fim nos obriga a obter esta felicidade a todo custo.
Por isso, nos dias de hoje, se paga um preço caro para ter algo, porque a inveja ao outro é insuportável. Assim é a sociedade que torna a inveja seu alimento e se suicida através dela.