‘Vaidade, definitivamente meu pecado predileto’, palavras do diabo, personificado em John Milton, personagem de Al Pacino no filme ‘Advogado do Diabo’. De fato, o pecado do orgulho é entre todos considerado o mais severo, mas divide com a inveja a classificação dos mais malignos dos pecados, conforme descreve Dante Alighiere, na ‘Divina Comédia’. Pecados que estão interligados e que são, nos dias de hoje, aqueles que entorpecem, narcotizam, embriagam e paralisam a sociedade, tornando os homens bestiais.
Orgulho que fez com que Lúcifer, o anjo portador da luz e mais belo dos arcanjos, pretensiosamente, quisesse o posto do Criador. Vaidade que sustentou a rivalidade a Deus e que teve como consequência sua expulsão e queda do céu. Queda tão brutal que fez das profundezas da terra seu refúgio, seu inferno, o oposto ao paraíso divino, na qual a brutalidade foi em ser contrariado em sua vaidade. O inferno, lugar de condenação e sofrimento.
A concepção do orgulho, atribuída à Lúcifer na tradição judaico cristã, é evidenciada no poema de John Milton: ‘Prefiro ser senhor do Inferno que escravo no Céu’.
Capital
O pecado capital é aquele que nos leva a cometer outros. Capital derivado de ‘caput’, que significa cabeça. Cabeça que é a morada de nossos anjos e demônios. O homicídio, por exemplo, é o crime oriundo do pecado da ira. Mas de todos os pecados, o orgulho é o mais poderoso, pois somos constantemente envolvidos à nossa vaidade, tal qual Eva e Adão foram seduzidos pela serpente.
Tentação na qual não nos desvencilhamos. Ao contrário das certezas e afirmações que insistimos em defender, das posturas e posicionamentos soberanos, convicções intransponíveis, somos pela vaidade escravizados, expondo nossas fraquezas e a contradição de nossos posicionamentos.
A vaidade surge na ideia de abdicar o ‘nós’ e tornar-se apenas ‘eu’, tal qual o Diabo em relação a Deus. Um ‘eu’ tão avolumado de ganância e cobiça que pesado, cai em si. Se destrói. Motivo este da Igreja coibir tal pecado. A beleza não poderia ser enaltecida, nem mesmo o amor próprio. Amor apenas a Deus e, assim, ascetismo religioso vigora entre os homens. Os prazeres mundanos devem ser aniquilados em prol da fidelidade e obediência a Ele.
Narciso é a imagem mais emblemática da vaidade do ser humano. Permanecendo imóvel à contemplação ininterrupta de sua face, morreu. Morreu diante de sua beleza e por sua vaidade sufocante e atormentadora.
Satisfação
São os altos preços que muitas pessoas pagam para satisfazer suas vidas. Buscam preencher-se com aquilo que o espelho revela faltar. Procuram, desesperadamente, curar o que não toleram na imagem refletida. Talvez a sociedade esteja vivenciando uma de suas maiores mazelas, a automutilação. A dismorfia corporal é o transtorno psíquico do momento, pautada por uma preocupação exagerada com um defeito real ou imaginado na aparência física. É o demônio que existe em cada espelho.
Para enquadrar-se aos padrões impostos, nos sacrificamos. Nos baseamos em modelos determinados e efêmeros, buscamos ser referência. A sociedade se tornou onanista que reivindica seu prazer, mas para tal, corrompe, distorce, maltrata, agride e açoita. Quer se masturbar e gozar constantemente, mas não se dá conta que está definhando, porque gozar por gozar, além de demasiado, pode não fazer sentido, logo, não é mais prazer.
O historiador Leandro Karnal nos brinda com uma reflexão: ‘Por trás de cada virtude existe uma exuberância que nos aproxima do vício’. A crença contemporânea de que a virtude é a vaidade. Eis o que ele denomina como o homem efêmero. Aquele que não suporta sua quietude, provavelmente porque assim terá que refletir sobre a própria vida e, portanto, está sempre atrás do outro. Prefere a falta de tempo, mesmo reclamando disso, do que o marasmo que possibilita as verdades inaceitáveis.
Atenção
Solícitos, exigimos o elogio e atenção. Nas redes sociais somos o retrato da perfeição. Um paraíso de sorrisos e harmonia. Preferimos monólogos a diálogos. Quando o outro fala, aproveitamos o ensejo para falar de nós mesmos. A vaidade é tamanha que facilmente nossa onipotência se revela e não admitimos mais em falhar, tendo em vista os homens que se resumem ao próprio pênis, por exemplo, ou os pais que se consideram o bastante para os filhos.
Karnal ainda insiste numa outra ideia, de que não consertamos as relações humanas, mas as trocamos porque assim ganhamos originalidade. Assim, na nova pessoa exploro o quanto sou interessante e instigante. Ele conclui: ‘E ao trocar sapatos, computadores e pessoas que amamos por outras vamos substituindo a dor do desgaste, pela vaidade da novidade’.
Alimento novos espelhos, novos reflexos, porque para alimentar minha vaidade, desejo que o outro seja um reflexo meu, me admire e sustente meus caprichos. A pessoa do passado me mostra o quanto sou desinteressante, desnecessário e irrelevante. Talvez por isso expressar a própria opinião tenha se tornado um crime.
A opinião contrária à minha é condenável, pura e simplesmente, porque não está de acordo com meu espelho. O soberbo não divide espaço, apropriando-se dele e, para tal, torna-se maioria em detrimento à minoria, supostamente, ignorante e inadequada. O orgulho impossibilita que admitamos que as pessoas sejam diferentes de nós e que de fato elas podem não gostar da gente. Bem que Caetano já cantava ‘Narciso acha feio o que não é espelho’.