Não sei se compartilham da mesma sensação, mas algo de novo e diferente predomina na atmosfera amorosa entre as pessoas e que se propaga com tal velocidade que parece invadir os pensamentos, opiniões, posicionamentos e conceitos.
A concepção de amor se transforma drasticamente e modifica os comportamentos sexuais e amorosos. Acontece que sinais claros destas mudanças se evidenciam e a sociedade insiste em não enxergar ou não aceitar, principalmente, no que se refere a um sentimento tão cultuado, que possui pompas de intocável e imutável.
O amor fantasioso não possui a mesma concepção tradicionalista que permeou o imaginário dos amantes. O sentido e busca do amor não está mais pautado do conceito melódico do assim frustrador amor romântico. Baseado no prazer sexual, interesses individuais e uma realidade libertadora, o amor cede aos conceitos contemporâneos e solicita uma definição mais categórica para se manter forte.
Não “se ama” apenas alguém, mas este sentimento necessita de definições: gostar, admirar, respeitar, dividir e por aí vai. O termo sugere uma gama de sentimentos e sensações que necessitam ser nomeados. De uma ideia muito ampla e dilatada para ideias mais coerentes, explicativos e viscerais.
O amor romântico é frustrador porque nutre em si expectativas e idealizações sobre a pessoa amada. Uma cultura que defende o amor romântico como a única e verdadeira forma de amor.
Cultua-se a crença de exclusividade e possessividade, cuja unanimidade faz com credite ao amor romântico a norma mais aceita para a constituição de relações amorosas e casamento. Um tipo de amor que é presunçoso e se alimenta de uma profunda sensação de solidão, alienação e frustração que as pessoas possuem pela incapacidade de construírem relações afetuosas sustentadas na realidade. Vive-se a sensação de um amor que causa armadilhas. É viciante e repetitivo, pois, a dependência está em perseguir um modelo de amor e não a pessoa que está consigo.
O amor romântico é uma extensão do amor cortês, que localizamos facilmente literatura da Grécia antiga, no Império Romano, na antiga Pérsia, no Japão Feudal e nas canções poéticas dos trovadores. Histórias como de Tristão e Isolda e Romeu e Julieta consistiam no destemido cavalheiro que corteja sua amada, idolatrando sua imagem e a figura feminina. Enaltecido através da dificuldade em consolidar a união dos amantes, o amor cortês se fortaleceu através da tragédia, o suplício e o dramatismo que cerca o relacionamento.
Criam-se, portanto, dois conceitos cruciais para o surgimento do amor romântico. O primeiro é que o amor é a sobrevivência de qualquer relação amorosa e o sentimento mais honrado. A segunda ideia é que se este sentimento é a dádiva e o bálsamo da vida, portanto, deve-se obtê-lo a todo custo. Para isso, todos os esforços são necessários e sacrifícios são permitidos.
Hoje conhecemos o amor romântico também como “amor incondicional”, que tenta diminuir o sentimento de abandono. Conceito irreal e efêmero, o amor romântico não deve ser confundido com romantismo. Mandar flores, beijos ardentes, demonstração de carinho, afeto e gentileza fazem parte do romantismo, mas a ideia equivocada de simbiose, que através do amor o casal deve viver uma única vida, que quem ama não tem o porquê de apreciar outra pessoa, que o prazer deve ser restrito à esta relação dualista distorce todo o intuito de viver ao lado de alguém sem obrigações, exigências, de forma livre e autônoma.
Amar não é benevolência e tampouco altruísmo. Não se faz favor a ninguém amando, assim como, ninguém deve ser grato por ser amado. Se assim for, os amantes precisam pagar, porque estão endividados com o outro e, com juros. À propósito, a existência do amor está condicionada enquanto a outra pessoa dá sentido à nossa vida.
No amor romântico a sensação de estar apaixonado é plena, mas a paixão é imediatista e possui como estopim a urgência. É como se precisássemos desesperadamente do outro para viver e é neste estado de espelho que o casal vive uma solidão amorosa.
Viver para o outro é o bastante. Esta, talvez, seja de fato a mazela do amor romântico. A ferida de que se têm certeza de que aquela é a mais magnífica forma de amar e que até então fomos privado de viver algo intenso e maravilhoso. Isso é falacioso. Acredita-se que a pessoa é a peça que faltava para se viver uma grande paixão. Por isso se atribui tudo ao outro e cabe a ele suprir as expectativas.
E quanto ao desejo da paixão? A paixão visceral, fulminante, atordoadora. O desejo é imediatista, mas não cria expectativas. Ele quer ser satisfeito, ter contato, consumir, devorar o outro e para tal, não é necessário viver paixões, logo, o amor romântico não se constitui. O desejo desnuda a paixão naquilo que ela tinha como alicerce, o proibido.
Alguma coisa está acontecendo com a maneira de nos relacionarmos e de enxergar o sexo e o amor, e isso é fato.
A pluralidade de se amar é gigantesca. Ama-se mais de uma pessoa simultaneamente, não existe culpa nem traição. Pode ser uma escolha o prazer intenso com ou sem sexo.
Conhecer os mecanismos do amor romântico nos dá a possibilidade de mudarmos mentalidades e comportamentos. Passamos do campo inconsciente para conscientização de que podemos agir melhor e atingirmos um grau de felicidade que não envolva escravidões. A relação amorosa pode e deve ser livre, sem pressões, questionamentos e dúvidas. O casal deve respeitar as individualidades do companheiro.
No amor contemporâneo, este que se identifica com a diversidade, tudo é possível, desde que algumas palavras sejam bem compreendidas pelo casal. Eu insisto em duas que considero imprescindíveis em qualquer relacionamento: consentimento e respeito. Palavras que devem caminhar juntas e que se acrescentam, assim como os amantes. Ninguém completa o outro, porque isto implica falta, perda. As pessoas devem se acrescentar, e, acrescentar, é a outra palavra que o amor deve contemplar.